Quando o Sol se for

Eu estarei naquele beco imundo, do lado da saída do metrô. Vai estar escuro e não terá mais tantas pessoas saindo, voltando de seus trabalhos cansadas, sem me dar nenhum dinheiro para comer.
Ficarei deitado esperando, como sempre, que apareça alguma alma piedosa e me ofereça algo de bom, sem ser propostas para me drogar.
Vai aparecer uma moça muito bondosa, quase uma fada, vestida como se fosse uma princesa moderna. Ela estará vestida como se fosse passear com o namorado. Me olhará com um belo sorriso e vai me estender as mãos. Eu a fitarei espantado e feliz ao mesmo tempo, mas não terei medo. Vou estender minhas mãos para ela e serei abraçado. Sentirei o cheiro do seu cabelo recém lavado, o creme para pele e o perfume daquela loja cheirosa ali da rua.
Ela vai me abraçar bem forte, como se fosse a minha mãe, mas não aquela uma que me mandou ir pedir dinheiro no sinal e quando eu voltei pra casa com pouco me falou pra nunca mais voltar. Será uma mãe como aquelas que brincam com os filhos aos domingos, passam pelo metrô sorrindo e dizendo que amam os filhos.
Serei levado para a casa dela, num carro brilhoso e vou ficar admirado com tantas coisas chiques. As ruas serão mais bonitas vistas de dentro daquele carro. Ela me dirá que o nome do carro é "CADILLAC SIXTEEN". Mas eu ainda não saberei falar.
Quando chegarmos na sua casa, minha boca vai ficar aberta e ela soltará um sorriso, mais belo do que a construção.
Vamos descer. O rapaz que a ajudará descer, me dirá que seu nome é Vinícius e que está feliz em me conhecer.
Vou ser levado por ela até um quarto muito grande, com certeza muito maior que a casa que eu vivia. Vai ter um banheiro com uma piscininha, que mais tarde eu vou descobrir que chama-se "banheira".
No dia seguinte eu vou acordar como se tivesse dormido nas nuvens, mas a impressão vai ser por causa dos travesseiros que a Sophie (esse é o nome "dela") dirá ser de pena de ganso.
Sophie me levará no zoológico para conhecer um ganso. Vai fazer minha inscrição numa escola que fica no mesmo bairro da casa dela: Jardins.
Eu finalmente vou aprender a ler e escrever. Muitos anos vão passar. Saberei dizer o nome do antigo carro dela, que o beco que eu ficava era na R. Heitor Penteado.
Vou viver feliz, terei sempre comida, uma mãe me abraçando e dizendo que me ama, um pai dedicado e que não chega em casa bêbado (Vinícius), uma cama pra dormir, não precisarei pedir dinheiro na rua e vou fazer faculdade.
Um dia eu vou acordar ao lado de uma pessoa que me amará como eu sou, sem ligar pra se um dia eu fui mendigo e não tive o dinheiro que tenho hoje. Quando abrir os olhos, não será apenas um sonho, como um daqueles que eu tenho vivendo aqui. Passando noites frias, minhas lágrimas se misturando com a chuva, porque não há espaço para um garotinho ignorado debaixo de um coberto. Todos os cobertos estão tomados por gente como eu, ignorada e lutando com unhas e dentes pra ter pelo menos um papelão onde apoiar a cabeça.

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Olá leitores,
essa postagem é uma coisa que surgiu não sei de onde, mas que eu achei que devia vir para esse meu espaço aqui!
Espero que vocês tenham gostado.
O template do blog só está assim por causa dessa postagem. Tudo o que eu mudei vai voltar ás claras assim que eu postar novamente!